Panone é absolvido pelo TSE no caso da “Cesta Básica”

Panone é absolvido pelo TSE no caso da “Cesta Básica”

Webmaster 20/10/2017 - 12:01
Caso acabou se tornando o maior embuste eleitoral já ocorrido em Descalvado



Na última segunda-feira o Ministro Herman Benjamin, do Tribunal Superior Eleitoral absolveu em definitivo o ex-prefeito Luís Antônio Panone, que havia sido condenado pelo juiz de primeira instância no caso que ficou conhecido como o “caso cesta básica”.

Para que todos se recordem do caso, na eleição municipal de 2012 haviam dois candidatos disputando a eleição no objetivo de governar Descalvado de 2013 a 2016, Luís Antônio Panone [PPS], que já era prefeito e tentava a sua reeleição, e José Carlos Calza [PSDB] que já havia sido prefeito por três mandatos e tentava o quarto mandato, porém este último com a “espada” da Lei da Ficha Limpa posta em seu pescoço.

Na última semana de campanha a população foi surpreendida com uma gravação, onde o então prefeito Panone, dentro de uma residência no Jardim Albertina, acabou sendo filmado no que erroneamente foi interpretado como uma tentativa de compra de votos, ao fornecer uma cesta básica a uma moradora daquele bairro que vivia em uma situação social muito vulnerável.

Na época o fato gerou uma repercussão gigantesca na cidade, fazendo com que o Poder Judiciário recebesse um pedido de cassação do candidato Panone, e o juiz de primeira instância acatou o pedido e cassou o registro de candidatura dele, que apesar de ter obtido junto ao Tribunal Regional Eleitoral uma liminar que o permitiu continuar disputando as eleições até o final, o fato já estava consolidado junto a sociedade e certamente foi um fator decisivo para desequilibrar a balança eleitoral em favor ao candidato Calza, fazendo vencer a eleição, porém, devido a sua situação junto a justiça, o mesmo não pode assumir o poder, pois estava figurando como “ficha suja” diante da Lei da Ficha Limpa.

Anos se passaram e nessa semana o processo chegou ao seu término, com a absolvição integral do ex-prefeito Panone. O Ministro do TSE, Herman Benjamin, analisando todas as provas que haviam nos autos entendeu também que a gravação feita por uma moradora restou-se ilícita, ou seja, completamente inválida, com isso não haviam provas de que Panone realmente teria tentado comprar voto com a cesta básica, mesmo porque a própria gravação não mostra em momento algum ele pedindo votos para si a nenhuma das pessoas que estavam na residência.

Dentre todos os depoimentos das testemunhas que forma arroladas no processo, o que chamou mais a atenção do Ministro para absolvição de Panone foram o da assistente social Célia Maria Corsi Antico, que demonstrou claramente que a pessoa que havia recebido a cesta básica estava devidamente cadastrada junto a assistência social em programas que visavam dar suporte a pessoas que viviam em estado de vulnerabilidade, e essas famílias recebiam mensalmente uma cesta básica como auxílio do poder público para a sua subsistência, portanto o que Panone fez à época foi tão somente cumprir uma legislação municipal, que já previa o auxílio a famílias carentes.

O segundo depoimento, e que certamente gerará desdobramentos futuros foi o depoimento da própria pessoa que realizou a gravação do vídeo, pois em seu depoimento ela afirma que houve um flagrante preparado, ou seja, uma verdadeira armação havia sido preparada antecipadamente para tentar forçar o candidato Panone a dizer algo que o comprometeria. Ela afirmou em juízo que um advogado e o coordenador da campanha de Calza haviam lhe prometido dinheiro para que, com o uso de um gravador portátil, ela tentasse levar Panone para sua casa, e o forçasse a lhe dar um churrasco, o que poderia ser configurado como uma tentativa de compra de voto, e como a gravação demonstra, de fato esse pedido ocorreu, mas como Panone não cedeu ao pedido, a pessoa que fez a gravação acabou chamando sua vizinha, que foi quem recebeu a cesta básica.

Absolvido Panone publicou em redes sociais que se sente de “alma lavada, consciência tranquila, satisfação do dever cumprido, e muito triste por terem interrompido o progresso da nossa cidade com tanta injustiça”.

O Descalvado Agora entrou em contato com Panone, que assim se pronunciou:

“Há mais de 30 anos eu tenho me dedicado, como advogado, a lutar contra as injustiças e a ajudar as pessoas. Jamais imaginei que um dia poderia ser vítima da maldade humana, mas isso aconteceu nas vésperas das eleições de 2012, quando buscávamos a minha reeleição como prefeito da nossa cidade. Nossos adversários, com o nítido propósito de tentarem vencer as eleições a qualquer custo, prepararam e executaram, ardilosa e criminosamente, o diabólico plano da cesta básica, usando pessoas simples e extremamente necessitadas e tentando me incriminar pelo que diziam ser um flagrante de compra de votos, o que jamais ocorreu, como sabidamente, agora, foi reconhecido pelo Tribunal Superior Eleitoral. Foram longos cinco anos de sofrimento pessoal e familiar, até que, enfim, o Poder Judiciário reconhecesse a injustiça que estava sendo praticada contra mim. Nesses longos anos, eu fui apontado como criminoso e “ficha-suja” nas ruas e nas redes sociais, sofri uma injusta condenação ao cumprimento de uma pena de mais de dois anos de reclusão em regime semi-aberto e outra, igualmente equivocada, que cassava os meus direitos políticos por oito anos, mas nada disso fez com que eu esmorecesse na busca do restabelecimento da verdade e da realização da verdadeira justiça. Em toda a minha vida como advogado e professor de direito, eu sempre ensinei aos meus alunos e orientei os meus clientes no sentido de que jamais desistissem de buscar os seus direitos, de lutar pela verdade e pela realização do justo. Não seria defendendo a mim mesmo que eu agiria diferente e, assim, percorri todas as instâncias da justiça eleitoral e não desisti enquanto não provei a minha inocência. Essa decisão do Ministro Herman Benjamin consagra o que eu sempre disse em minha defesa: tudo foi armado pelos meus adversários e jamais tive a intenção de comprar o voto de ninguém. A absolvição se deu com fundamento no inciso III do artigo 386 do Código de Processo Penal, o que significa que não pratiquei crime algum! Aproveito a oportunidade para agradecer as milhares de pessoas que sempre acreditaram em mim, enviando mensagens de apoio, àqueles que se uniram em correntes de oração, àqueles que não se furtaram em me auxiliar na busca da verdade, como o ex-Vereador Gílson Rodrigues, o Adão Dias das Neves, o Odair Lacerda e tantos outros que foram solidários nos momentos mais angustiantes, à minha família e aos meus verdadeiros amigos que estiveram comigo em todos os momentos. A esses deixo registrado o meu muito obrigado. Também quero dizer que agora buscarei a reparação de todos os danos materiais e morais que me foram causados, doa a quem doer. Finalizo com uma palavra de esperança à nossa população: muito em breve, estaremos juntos novamente!”

Veja, abaixo, a íntegra da decisão do TSE que absolveu Panone:

AÇÃO PENAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. PRELIMINARES REJEITADAS. CRIME. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ILICITUDE DE PROVA. NOTÓRIO FLAGRANTE PREPARADO. DOLO ESPÉCÍFICO NÃO COMPROVADO. ABSOLVIÇÃO. PROVIMENTO.
1. Autos recebidos no gabinete em 9/6/2017.

2. Independentemente de controvérsia no âmbito desta Corte Superior acerca de licitude ou ilicitude de gravação ambiental por um dos interlocutores sem conhecimento dos demais, no caso específico dos autos dita prova apresenta manifesta imprestabilidade, porquanto produzida em contexto similar a flagrante preparado, com tentativa de se induzir candidato, a pedido de adversário político, a doar cesta básica a eleitor em situação de hipossuficiência econômica em troca de voto.

3. Extrai-se da moldura fática do aresto a quo que Cláudia Alessandra Donizete Ferraz Couto, a qual captou os diálogos, declarou em juízo que "trabalhava para o candidato Calza [adversário político]", que "foi ordem do comitê realizar a gravação", que "foi responsável por chamar Panone [recorrente] para ir para sua casa" e que "em troca, se Calza ganhasse as eleições, [ela] teria um cargo na Prefeitura". Nesse contexto, esclareceu que "tudo foi uma armação contra Panone" e que "ninguém [...] pediu-lhe a cesta básica" [fls. 971-972].

4. Ainda que superado o óbice, é indene de dúvida que o candidato não ofereceu cesta básica em troca de voto - dolo específico exigido no art. 299 do Código Eleitoral. Novamente a partir do que consta do aresto a quo, verifica-se que, segundo a autora da gravação, o "Panone não pediu seu voto ou de qualquer pessoa da sala, nem fez qualquer menção a voto" [fl. 972].


5. Trata-se de circunstância confirmada, inclusive, pela testemunha de acusação Gilberto Antônio Assoni, que presenciou os fatos: "foi Cláudia [que captou os diálogos] quem ficou pedindo churrasco, cestas básicas, fazendo com que Panone negasse todos os pedidos" [fl. 971].


6. Por fim, é de se ressaltar que, ainda em primeira instância, em alegações finais, o Parquet - titular da ação penal - manifestou-se de modo expresso pela absolvição do recorrente por absoluta atipicidade do fato, nos termos do art. 386, III, do CPP.

7. Recurso especial provido para absolver o recorrente.

DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto por Luís Antônio Panone, Prefeito de Descalvado/SP reeleito em 2012, cujo diploma foi cassado no mesmo ano, contra acórdãos do TRE/SP assim ementados [fls. 934 e 1.014]:

RECURSO CRIMINAL. ELEIÇÕES 2012. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. CANDIDATOS AOS CARGOS DE PREFEITO E VICE-PREFEITO. FORNECIMENTO DE CESTA BÁSICA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. PRELIMINARES: I] NULIDADE DA SENTENÇA EM RAZÃO DA LESÃO AO PRINCÍPIO ACUSATÓRIO [CF, ART. 129, I] E INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 385 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E AO PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE JURISDICIONAL [CPP, ART. 252, III]. II] ILICITUDE DA PROVA ACUSATÓRIA [ORIGINÁRIA E DERIVADA], INADMISSIBILIDADE DE SUA PERMANÊNCIA NO PROCESSO E III] CRIME IMPOSSÍVEL [SITUAÇÃO ANÁLOGA AO FLAGRANTE PREPARADO OU FORJADO] E ATIPICIDADE DA CONDUTA. AFASTADAS. PROVA ROBUSTA E SUFICIENTE. COMPRA DE VOTO CARACTERIZADA. ENTREGA DE CESTA BÁSICA PELO CANDIDATO À REELEIÇÃO EM VISITA À ELEITORA. PROVA TESTEMUNHAL COESA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA SUBSTITUIR A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO CRIMINAL. CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DESCRITA NO ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. OMISSÃO CARACTERIZADA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE QUE A BENEFICIADA ERA ELEITORA DA 44ª ZONA ELEITORAL NAS ELEIÇÕES DE 2012. ACOLHIDA. COMPLEMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. DEMAIS OMISSÕES APONTADAS NÃO ACOLHIDAS. CONTRADIÇÕES. NÃO FORAM IDENTIFICADAS AS PROPOSIÇÕES INCONCILIÁVEIS ENTRE TRECHOS DA FUNDAMENTAÇÃO DO JULGADO CONSTANTES NO VOTO E AS SUAS CONCLUSÕES, NÃO SENDO SUFICIENTES AQUELES ENCONTRADOS ENTRE OS FUNDAMENTOS DOS EMBARGOS E AS RAZÕES RECURSAIS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PARCIALMENTE ACOLHIDOS, COM CARÁTER MERAMENTE INTEGRATIVO.

Na origem, o Ministério Público denunciou o recorrente em 29/5/2014 [após cassação de seu mandato e novo pleito no município], perante o Juízo da 44ª ZE/SP [Descalvado/SP], pelo crime do art. 299 do Código Eleitoral, aduzindo que ele, à época de sua campanha à reeleição, na casa de Cláudia Alessandra Donizete Ferraz Couto, teria oferecido a Ana Paula da Silva cesta básica de alimentos da assistência social daquela localidade em troca de seu voto.

O Juízo da 44ª ZE/SP julgou procedente o pedido, condenando Luís Antônio Panone a um ano e dois meses de prisão em regime semiaberto, além de pagamento de seis dias-multa.
O TRE/SP reformou em parte a sentença, mas apenas para substituir a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, consistente na prestação de serviços à comunidade ou a entes públicos, e multa de dez salários mínimos.

No recurso especial, Luís Antônio Panone alegou:

a] inconstitucionalidade do art. 385 do CPP por infringência ao art. 129, I, da CF/88 e ao princípio acusatório, pois seria defeso ao juiz condenar réu em processo no qual o Parquet requereu sua absolvição em sede de alegações finais;

b] contrariedade aos arts. 5º, X, XII e LVI, da CF/88 e 157 do CPP e dissídio pretoriano, visto que a denúncia baseou-se em gravação ambiental ilícita, realizada sem permissivo judicial e à margem do conhecimento de seus interlocutores. Nesse contexto, as demais provas dos autos seriam ilegais por consequência, como reconhecido pelo TSE na Rp 215-89/SP, que analisou a mesma causa sob perspectiva do art. 41-A da Lei 9.504/97;

c] a doutrina da "fonte independente" não legitima se aproveitar de prova derivada, pois "esta possui conexão íntima e indissociável por subordinação causal e temporal com a prova originária" [fl. 1.049]. Na espécie, o depoimento de uma única testemunha que sustenta o decreto condenatório decorre daquela gravação ambiental tida por ilícita;

d] a doutrina da "descoberta inevitável" também não valida aquele único testemunho, "na medida em que não houve nenhuma investigação ou procedimento independente, autônomo e desvinculado da prova ilícita que tivesse conduzido ao depoimento prestado" . No caso, tanto o inquérito civil público como o da polícia foram instaurados a partir de representação, que, por sua vez, originou-se de prova viciada [fl. 1.049];

e] dissenso jurisprudencial, pois a conduta supostamente ilícita configura típica hipótese de flagrante preparado, apontando para existência de crime de impossível consumação;

f] no caso, a conduta ocorreu em reunião orquestrada pelo candidato opositor e sua funcionária de campanha, que, depois de muito insistir, conseguiu atrair o recorrente para sua casa, passando a instigá-lo de modo a provocar o cometimento de suposto ato irregular. Em sua residência, essa funcionária da chapa opositora solicitou por várias vezes a entrega de diversos tipos de benesses, mas não atendidas de plano, exceto uma única cesta básica que fora oferecida após a dona da casa ter ido buscar sua vizinha, pessoa em estado de vulnerabilidade social e já cadastrada em programa assistencialista da prefeitura. Ou seja, tem-se que certo agente provocador vinculado à chapa opositora construiu e controlou todo um cenário visando apenas à produção de prova de eventual ilícito;

g] ofensa ao art. 299 do Código Eleitoral e dissídio pretoriano, na medida em que não se demonstrou presença de dolo específico consubstanciado na vontade de obtenção do voto pelo oferecimento de benesse;

h] infringência ao art. 73, § 10, da Lei 9.504/97, por considerar que a entrega de cestas básicas encontrava-se devidamente autorizada por lei do município;

i] o próprio recorrente, atendendo em seu gabinete na prefeitura, destinava um dia da semana para encaminhar pessoas em estado de vulnerabilidade ao órgão de assistência social, que, por sua vez, realizava processo de análise visando comprovar o preenchimento dos requisitos legais para posterior concessão de benefício;

j] no caso, a única pessoa contemplada com a entrega de cesta básica já era beneficiária daquele programa social, nos termos da lei, circunstância que revela não haver nenhuma excepcionalidade apta à tipificação do crime em exame;

k] não havendo dolo específico, a conduta impugnada merece reclassificação para aquela prevista no art. 23, § 5º, da Lei 9.504/97;

l] de acordo com o art. 85 da Res.-TSE 21.538/2003, a pena de multa não poderia ter sido fixada com base no salário mínimo, mas sobre o valor da UFIR.

O recurso especial foi admitido pela Presidência do TRE/SP [fls. 1.189-1.190].

Contrarrazões às folhas fls. 1.201-1.206.

A d. Procuradoria-Geral Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso [fls. 1.210-1.220].

É o relatório. Decido.

Os autos foram recebidos no gabinete em 9/6/2017.

Analiso, separadamente, as alegações do recorrente.

1. Flagrante Preparado
Independentemente de controvérsia no âmbito desta Corte Superior acerca de licitude ou ilicitude de gravação ambiental por um dos interlocutores sem conhecimento dos demais, no caso específico dos autos dita prova apresenta manifesta imprestabilidade, porquanto produzida em contexto similar a flagrante preparado, com tentativa de se induzir candidato a pedido de adversário político.

Cito depoimento de Cláudia Alessandra Donizete Ferraz Couto, responsável por agendar encontro com o recorrente e atraí-lo para sua própria residência, bem como gravar toda conversa ocorrida naquele recinto. Segundo essa testemunha, ela mesma assume que trabalhava para o candidato opositor e que assim procedeu almejando dinheiro e cargo público que lhes foram prometidos em troca da fabricação de prova da compra de votos pelo recorrente. Vejamos [fls. 971-972]:

A testemunha comum Cláudia Alessandra Donizete Ferraz Couto afirmou em juízo ter feito a gravação por ordem da chapa eleitoral de oposição, pois sabiam que PANONE estava oferecendo "churrascos" a eleitores e, por isso, queriam comprovar tal postura ilícita. Declarou, em síntese: que Panone chegou e começou a conversar normalmente até que surgiu o assunto da cesta básica. Isso aconteceu do nada. Sua vizinha Ana Paula tinha sete filhos e era muito pobre. Contou a Panone sobre a situação dela e ele pediu para chamá-la. Ana Paula passou a contar sua situação para Panone e ele decidiu ajudar com uma cesta básica. A declarante disse que foi responsável pela gravação da conversa. Trabalhava para o candidato Calza nas eleições e soube que Panone dava churrascos para as pessoas. Não conseguiu churrasco, mas conseguiu a cesta e contou isso no comitê do Calza. Disse que foi ordem do Comitê realizar a gravação. Assumiu que foi responsável por chamar Panone para ir para sua casa. Comentou com cabo eleitoral de Panone que pediria um churrasco para ele e levou essa informação para o Comitê de Calza. Lá, Danilo pediu para que conseguisse algo de Panone e gravasse. E em troca, se Calza ganhasse as eleições teriam um cargo na Prefeitura. Depois dos fatos, foi até o Comitê e disse que tinha obtido apenas uma cesta básica. Foi prejudicada pelos fatos, porque não conseguiu nada. Ana Paula recebeu a cesta. Ela realmente precisa da cesta. Tinha sete filhos e o marido dela era ex-presidiário. Carlinhos do Comitê de Calza foi quem a levou juntamente com Paula para pegar a cesta. Sérgio Franco de Lima foi seu advogado e também tomou a iniciativa de pedir-lhe que fizesse a gravação de Panone, pois seria beneficiada. Sergio o fez juntamente com Danilo. Confirmou que lhe tinha sido prometido cargo de confiança na Prefeitura em troca da gravação e caso Calza ganhasse as eleições de 2012, sem dizer nada sobre salário. Danilo prometeu-lhe também a quantia de R$ 1.000,00 [mil reais], entretanto não chegou a receber nada. Confirmou que Panone não pediu seu voto ou de qualquer pessoa da sala, nem fez qualquer menção a voto. Asseverou que tudo foi uma armação contra Panone. Ninguém, entretanto, pediu-lhe a cesta básica. Ana Paula não sabia da gravação. Antes da gravação, era Sérgio Franco de Lima, Danilo e um indivíduo que já morreu. A reunião com Panone não foi sigilosa. A porta da casa permaneceu aberta. Ninguém foi convidado para reunião. Entretanto, seus filhos estavam lá. [sem destaque no original] Gilberto Antônio Assoni, testemunha presencial arrolada pela própria acusação, também confirma que o recorrente foi atraído para lugar em controle da candidatura adversária. Veja-se [fl. 971]:

A testemunha de acusação Gilberto Antônio Assoni declarou que esteve na casa de Cláudia no dia dos fatos, acompanhando Panone e negou que tivesse havido oferta de cesta básica, cabendo destaque os seguintes trechos:

Panone ligou para sua esposa Joselisa, em razão de uma senhora que passava muita necessidade, pedindo que agenciasse na assistência o recebimento de uma cesta por Ana Paula. Luisinho foi o responsável por agendar a visita na residência de Cláudia. Foi Cláudia quem ficou pedindo churrasco, cestas básicas, fazendo com que Panone negasse todos os pedidos. Chegou num ponto em que ela chamou uma vizinha dizendo que passava necessidades e comia farinha com água. Também se sensibilizou com a situação e acha que Panone também se sensibilizou e ligou para Joselisa falando sobre o caso, sobre a dificuldade da moça e pediu que lhe fosse doada uma cesta básica.

Entretanto, não pela campanha política, não em troca de voto. Sabia que Cláudia estava trabalhando em outro comitê, mas ela esteve, de duas a três vezes no comitê de Panone querendo falar com ele a respeito do projeto de campanha dele. Por isso, Luisinho insistiu com Panone pela reunião. Não sabe se Ana Paula recebeu a cesta. Ana Paula dizia que passava necessidade, mas não pediu a cesta básica especificamente". [sem destaque no original]

Na espécie, é certo que a conduta ocorreu em reunião orquestrada pelo candidato opositor e sua funcionária de campanha, que, depois de muito insistir, conseguiu atrair o recorrente para sua casa, passando a instigá-lo de modo a provocar o cometimento de suposto ato irregular. Em sua residência, essa pessoa da chapa adversária solicitou por várias vezes a entrega de diversas benesses, que teriam sido negadas de plano, exceto uma única cesta básica, que foi oferecida após a dona da casa ter ido buscar sua vizinha, indivíduo em estado de vulnerabilidade social, porém sem pedido de votos.

A toda evidência, tem-se que certo agente provocador em harmonia de desígnios com a chapa opositora construiu e controlou todo um cenário visando fabricar prova de eventual ilícito com objetivos políticos e econômicos, circunstância que configura flagrante preparado [TSE - HC 309-90/BA, Rel. Min. João Otávio Noronha, DJE de 5/11/2015; REspe 676-04/RO, Rel. Min. Henrique Neves, DJE de 19/11/2014], apto a impedir a consumação da conduta [STJ - HC 307.775/GO, Rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 11/3/2015].

2. Ausência de Dolo Específico
O crime de corrupção eleitoral ativa, previsto no art. 299 do Código Eleitoral, possui as seguintes condutas típicas: dar, oferecer ou prometer, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem a fim de obter voto ou conseguir abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.

Verifica-se, portanto, que a conduta de dar, oferecer ou prometer vantagem a alguém exige dolo específico consubstanciado no intento de obter voto ou conseguir abstenção [RHC 22-11/RS, Rel. Min. Henrique Neves, DJE de 7/10/2016; AgRg-REspe 291/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 4/3/2015].

De acordo com o TRE/SP, o dolo específico decorre da mera qualidade de candidato com que o recorrente teria comparecido à já mencionada reunião. Confira-se [fls. 935-936]: Entendo estar caracterizado o dolo especifico consistente na vontade livre e consciente do réu, ora recorrente, de oferecer cesta básica à eleitora Ana Paula com o fim de obter o seu voto.

Para chegar a esta conclusão analiso principalmente o depoimento prestado pela testemunha Célia Maria Corsi Antico, assistente social junto a Secretaria de Assistência e Promoção Social de Descalvado/SP.

Consigno, inicialmente, que o recorrente compareceu à casa de Claudia Alessandra na condição de candidato à reeleição, o que não se confunde com a sua atuação como Chefe do Poder Executivo municipal.

Na citada reunião, agendada por seu cabo eleitoral, o recorrente, conforme declarou em seu interrogatório, foi apresentado à eleitora Ana Paula com quem passou a conversar, fazendo uma entrevista social, nos mesmos moldes do que sempre fazia na Prefeitura enquanto prefeito, nas ocasiões em que atendia ao público, às terças-feiras.

Segundo depoimento da assistente social do Município, o comportamento padrão do recorrente nos atendimentos realizados junto à prefeitura era encaminhar o munícipe ao departamento de assistência social para que fosse iniciado um procedimento específico para avaliação das condições individuais e familiar do cidadão para enquadramento em programa social adequado e, após, concessão de benefício assistencial.

Contudo, neste caso, pela primeira vez o recorrente, que atendeu a eleitora Ana Paula na condição de candidato, solicitou à sua esposa, que ocupava o cargo de Presidente do Fundo Social, que providenciasse a entrega de uma cesta básica a eleitora. A ordem da presidente, que estava licenciada para participar da campanha eleitoral do réu, foi recebida e atendida pela assistente social [sem destaque no original].

Todavia, o fato de o recorrente participar do escrutínio não autoriza pressupor que se tenha oferecido benesse em troca de sufrágio, menos ainda quando a origem da presunção baseia-se única e exclusivamente no depoimento de testemunha que nem sequer esteve no local da ocorrência [AgRg-AI 37-48/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJE de 15/12/2016].

A toda evidência, na análise do dolo específico, o TRE/SP contrariou arcabouço probatório expresso no próprio aresto a quo, em que se verifica claramente não haver pedido de voto em troca da benesse. É o que se infere da prova testemunhal produzida pela acusação no depoimento de Gilberto Antônio Assoni [fl. 971]:

Panone ligou para sua esposa Joselisa, em razão de uma senhora que passava muita necessidade, pedindo que agenciasse na assistência o recebimento de uma cesta por Ana Paula. Luisinho foi o responsável por agendar a visita na residência de Cláudia. Foi Cláudia quem ficou pedindo churrasco, cestas básicas, fazendo com que Panone negasse todos os pedidos. Chegou num ponto em que ela chamou uma vizinha dizendo que passava necessidades e comia farinha com água. Também se sensibilizou com a situação e acha que Panone também se sensibilizou e ligou para Joselisa falando sobre o caso, sobre a dificuldade da moça e pediu que lhe fosse doada uma cesta básica.

Entretanto, não pela campanha política, não em troca de voto. Sabia que Cláudia estava trabalhando em outro comitê, mas ela esteve, de duas a três vezes no comitê de Panone querendo falar com ele a respeito do projeto de campanha dele. Por isso, Luisinho insistiu com Panone pela reunião. Não sabe se Ana Paula recebeu a cesta. Ana Paula dizia que passava necessidade, mas não pediu a cesta básica especificamente [sem destaque no original].
No mesmo sentido, a testemunha Cláudia Alessandra Donizete Ferraz Couto, responsável pelo agendamento do encontro em sua residência e por gravar as declarações do recorrente, também afirmou que ele não pediu voto da eleitora em troca de cesta básica. Vejamos [fls. 971-972]: que Panone chegou e começou a conversar normalmente até que surgiu o assunto da cesta básica. Isso aconteceu do nada. Sua vizinha Ana Paula tinha sete filhos e era muito pobre. Contou a Panone sobre a situação dela e ele pediu para chamá-la. Ana Paula passou a contar sua situação para Panone e ele decidiu ajudar com uma cesta básica. [...]

Confirmou que Panone não pediu seu voto ou de qualquer pessoa da sala, nem fez qualquer menção a voto. Asseverou que tudo foi uma armação contra Panone. Ninguém, entretanto, pediu-lhe a cesta básica [sem destaque no original].

Por fim, é de se ressaltar que, ainda em primeiro grau, em alegações finais, o Ministério Público Eleitoral - titular da ação penal - manifestou-se de modo expresso pela absolvição do recorrente em virtude de absoluta atipicidade do fato, nos termos do art. 386, III, do CPP.
Desse modo, os fatos descritos no aresto a quo não demonstram ocorrência do crime de corrupção eleitoral, por meio da entrega de uma cesta básica, com o objetivo de obter votos.

Novamente, afigura-se imperiosa a absolvição.

3. Conclusão
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, nos termos do art. 36, § 7º, do RI-TSE, para absolver o recorrente com base no art. 386, III, do CPP.

Publique-se. Intimem-se.
Brasília [DF], 16 de outubro de 2017.
MINISTRO HERMAN BENJAMIN
Relator

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