Ignácio de Loyola em Descalvado

Ignácio de Loyola em Descalvado

Webmaster 17/06/2010 - 22:30
Para Ignácio de Loyola, “o escritor é um parasita da vida”

O escritor e jornalista Ignácio de Loyola Brandão encontrou-se com seus leitores descalvadenses para “uma conversa irracional” sobre o processo de criação de sua obra. Durante pouco mais de uma hora, Loyola Brandão encantou a todos com sua narrativa sedutora de observador atento do cotidiano, de cronista do nosso tempo, de transformador de histórias triviais, corriqueiras, em obras de arte.

Cerca de 200 pessoas lotaram as dependências do auditório da Secretaria de Educação e Cultura para uma “Viagem Literária”, comandada pelo araraquarense que, de tão apaixonado pelas letras, “vendia palavras” quando criança. “Escrever é mexer, provocar, questionar” – ensinou Loyola Brandão.

A trajetória do escritor começou pelas mãos da professora Lourdes Prada, que o fazia reescrever histórias clássicas e depois mandava seus colegas analisarem o texto. “Assim ela nos ensinava a ter senso crítico. Já naquela época minhas professoras eram modernas, estavam à frente de Piaget e Summerhill”.

Certa vez - contou o visitante -, a professora Lourdes mandou que ele reescrevesse a história da Branca de Neve – personagem por quem ele é apaixonado até hoje -, “com aquele vestidinho azul, aquela fitinha no cabelo. Eu odiava os sete anões. Ela era escrava deles. Aí eu reescrevi aquilo. Na minha história, os sete anões, antes de saírem para trabalhar, pedem uma sopa de cogumelos para a Branca de Neve. Ela saiu com sua cestinha, colheu os cogumelos e preparou a sopa. Os anões chegaram, comeram a sopa e caíram sobre o prato. Morreram todos. Ela havia escolhido cogumelos venenosos”.

Para Loyola Brandão, “a literatura é uma maneira de vingança, no sentido de resolver nossos problemas pessoais, contra fracassos, amarguras, decepções. Tudo o que eu vejo eu não transcrevo literalmente; busco transformar as minhas observações em obras de arte. Anoto frases escritas na parede, anoto os que as pessoas falam, observo as pequenas situações. Nós, escritores, somos parasitas da vida. A crônica é uma fotografia, um flagrante, um instantâneo da nossa vida”.

“O cronista registra a linguagem popular”, continuou o escritor. “No futuro, quando alguém quiser conhecer a história do cotidiano, vai ter que recorrer aos cronistas. Portanto, nós temos de ter cuidado com as palavras. Nós somos o olhar do futuro. Nós estamos escrevendo o povo brasileiro o tempo todo. O escritor tem de ter o olhar penetrante. Nós temos o imaginário, a fantasia. Mas, temos vergonha de por isso para fora. Eu, não. Eu já casei com a Angelina Jolie e dei um chute no Brad Pitt”.

A solidão é um tema recorrente na obra do autor. “Eu sou escritor. E nunca me senti solitário. Eu não quero resolver os enigmas da vida. Pra quê resolvê-los? Porque se eu resolvê-los, paro de escrever. E por que eu escrevo? Por neurose, por prazer”.

Emoção – Pouco antes de abrir a palavra ao público, o escritor Ignácio de Loyola Brandão contou uma história sobre o conto “Mistério de uma formiga matutina”. “Certo dia eu tomava meu café da manhã quando eu vi uma formiga sobre a toalha. Perguntei para ela: como você chegou até aqui? Eu moro no 13º andar. Veio de elevador? Pela escada? Eu olhava nos olhos dela, porque eu gosto de falar olhando nos olhos das pessoas. Mas ela não me respondia. No dia seguinte ela estava lá, do mesmo jeito. Aí eu vi que ela estava morta”.

“Pouco tempo depois eu contei essa história numa palestra no Rio Grande do Sul. Depois saí e fui a um bar. Apareceu um gaúcho, lavrador. Me cumprimentou e me agradeceu. ‘Vi que o senhor é muito inteligente, estudado, um homem importante, que fala com as formigas’. E contou que ele morava numa fazenda, com um tio, que lhe era muito querido. Um dia esse tio foi à cidade e comprou um microfone e um gravador. Passava o dia pelo pasto, colocando o microfone nos buracos. Certo dia eu perguntei: ‘Tio, por que o senhor está fazendo isso?’. Ele me disse que queria ouvir a voz das formigas. A partir daí, todo mundo dizia que ele era louco. E eu fui me afastando dele. Ele ficou triste. Morreu. Hoje o senhor me mostrou que um homem inteligente, estudado, também fala com as formigas. Meu tio não era louco. Agora vou ao cemitério pedir desculpas a ele”.

Fim da palestra, começa um ligeiro bate-papo com a platéia. O descalvadense Antonio Garrido chama o escritor, e mostra e ele um caderno do tipo universitário. Nele, 37 textos que foram publicados pelo cronista. Todos transcritos, manuscritos. Até mesmo uma entrevista concedida ao jornalista José Castello, em 1997, ao jornal “O Estado de São Paulo” estava registrada no caderno. Foi a vez de Ignácio de Loyola Brandão se emocionar. Com os olhos marejados, ele disse em alto e bom som: “Isso é paixão por literatura. Isso é um leitor. Só de ter visto isso já valeu ter vindo para cá”. A audiência aplaudiu em pé.


Logo do Facebook Deixe seu comentário